22 de dezembro de 2008

REDIMENSIONAMENTO METODOLÓGICO

O projeto tem como objetivo investigar de que maneira é possível reprocessar a memória cultural através da dança e de seu diálogo com produtos videográficos disponibilizados por novas tecnologias.

Este tema investigatório não parte do nada: é um desdobramento das pesquisas que já venho realizando acerca das relações entre dança e vídeo. Num primeiro momento, os resultados poéticos destas pesquisas se deram com muito mais ênfase em obras instauradas na linguagem videográfica, como Pas de Corn, Mexendo nas Partes e Muovere Fashion Week. Hoje, meu interesse com esse projeto é descobrir de que maneira esses resultados podem ser dar em uma obra instaurada na linguagem da dança.

Em Mulheres Fortes em Corpos Frágeis, especificamente no meu trabalho com Dani Aquino, e posteriormente no processo de criação do Lado B, comecei a investigar essa possibilidade. Interessou-me, no processo com a Dani, articular com o movimento do corpo alguns procedimentos e conceitos advindos do campo do vídeo, como a poética das passagens, os zappings, as partes, os fragmentos, as passagens entre linguagens, deslocamentos, as tarjas, os limites, presença/ausência, trânsitos, a memória, o registro, a marca, etc. E para a execução disto, descobrimos durante o processo um procedimento particular que dava conta de colocar em jogo tais questionamentos de pesquisa. O procedimento é composto por uma matriz de 15 movimentos executados em looping, e no decorrer de sua execução são jogadas referências sonoras que acidentam-se com o movimento em questão, gerando contaminações e sentidos infinitamente potentes para este corpo que se apresenta constantemente em movimento aparente. No Lado B do referido espetáculo, adotamos este procedimento como ponto de partida para seu processo de criação. Cada uma das interpretes re-configurou suas coreografias de modo a criar uma sinopse coreográfica de seus discursos corporais, e assim, tínhamos 3 matrizes de movimentos únicas e infinitamente potentes, que comentavam e ressignificavam o processo anterior ao mesmo tempo em que lançavam novas possibilidades de sentido ao serem justapostas/sobrepostas às referencias sonoras – que, agora, não ficavam mais limitadas à trilha-sonora do espetáculo: inserimos a sonoridade do rádio em tempo real como elemento poético do espetáculo.

Faço esse brevíssimo retrospecto para dizer que ao realizar este projeto carregarei esta experiência que me faz sentido e este procedimento, enquanto conceito operatório, que me parece dar conta dos questionamentos propostos, principalmente no que tange ao “reprocessamento”. Ou seja, para investigar de que maneira é possível reprocessar a memória cultural através da dança e de seu diálogo com produtos videográficos disponibilizados por novas tecnologias, parece-me relevante trazer o procedimento da mesma matriz de movimento executada em looping como ponto de partida para a pesquisa.

Relevante porque faz emergir reflexões sobre a constante mobilidade do corpo, como lembra José Gil “[...] esta movimentação do corpo não parte do zero, de uma imobilidade ou de um repouso absolutos. A dança põe o corpo em movimento porque o corpo já está em movimento (movimento dos órgãos; movimento tensional que o mantém em vida; movimento do cérebro e dos pensamentos; movimento no equilíbrio da posição de pé [...]” (GIL, 2004, p. 76). Relevante porque dá a ver temáticas da natureza da dança, sua efemeridade virtual, a construção do espaço no corpo e pelo corpo, a relação com o ritmo e com sonoridades. Relevante porque se optássemos por transduzir vídeos para o corpo sem movimento aparente, poderíamos cair em procedimentos miméticos, figurativos e representativos. Relevante porque com a matriz de movimento único e infinitamente potente é possível realizar uma série de experimentações práticas que convergem a idéia de reprocessamento, como:

- A transdução de formas visuais já impregnadas na moldura videográfica. Aqui centraliza-se a idéia dos trabalho de pós-produção, também chamada de “poética do remake”, por Arlindo Machado.

“Pos-produção” é um termo técnico utilizado no mundo da televisão, do cinema e do vídeo. Designa o conjunto de processos efetuados sobre um material gravado: a montagem, a inclusão de outras fontes visuais ou sonoras, a legenda, as vozes em off, os efeitos especiais. Como um conjunto de atividades ligadas ao mundo dos serviços e da reciclagem, a pós-produção pertence ao setor terciário, oposto ao setor industrial ou agrícola – de produção de matérias brutas. [...] A matéria que manipulam já não é matéria prima. Para eles não se trata de elaborar uma forma a partir de um material bruto, senão trabalhar com objetos que já estão circulando no mercado cultural, ou seja, já informados por outros. [...] as ferramentas mais frequentemente utilizadas para produzir tais modelos relacionais são obras e estruturas formais preexistentes, como se o mundo dos produtos culturais e das obras de arte constituísse um estrato autônomo apto para agenciar instrumentos de relações entre os indivíduos; como se a instauração de novas formas de sociabilidade e uma verdadeira crítica das formas de vida contemporânea se dessem por uma atitude diferente a respeito do patrimônio artístico, mediante a produção de novas relações com a cultura em geral em com a obra de arte em particular. (BOURRIAUD, 2007, p. 7-9, tradução nossa)

- Recursos videográficos de edição e exibição. Aqui concentram-se as possibilidades de aplicação no corpo já em movimento aparente das especificidades videográficas, como elipses, enquadramentos, metonímias, bidimensionalidade, zapping, poética das passagens, linhas de varredura, widescreen, multiplicação, repetição, uníssono, diferença, etc.

- A justaposição/sobreposição/contaminação de sonoridades já impregnadas na moldura videográfica. Aqui, aproprio-me e tomo como ponto de partida sonora a poética de Elis Regina, dado que a cantora é produto audiovisual e aproxima em sua estética relações com o corpo, com a imagem e com discursos poéticos que tangenciam os temas da pesquisa, como as questões de interpretação X composição, memória cultural, etc.

- A aplicação e estudo das potências labanianas. Aqui centraliza-se a possibilidade de análise comparativa e aplicação de qualidades da escritura da mobilidade no corpo, imagem e som, através de aspectos como tempo, espaço, peso e fluxo.

Assim, a escolha dos produtos videográficos a serem transduzidos para o corpo, que estava previsto no mapeamento poético a ser realizado no primeiro mês de execução do projeto, será realizada posteriormente e vai ceder espaço para discussões teóricas sobre as temáticas do projeto e para a criação da matriz de movimento a ser utilizada em todo o decorrer da pesquisa, uma vez que este procedimento parece ter um lugar de importância maior para o desenvolvimento da idéia proposta.

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